
Teve uma vida marcada por sofridas conquistas, definidas por uma ousadia transgressora de seu tempo sócio-cultural-político-científico.
Mas isso não impediu que tivesse sempre apoio e sustentação para enfrentar os seus desafios em busca dos seus ideais, na conquista e na procura da realização daqueles que eram os seus valores fundamentais.
Maria Montessori ainda era criança quando a sua família se transferiu para Roma, abrindo maiores oportunidades para o seu crescimento pessoal e para a sua formação educacional e profissional.
Na adolescência revelou o seu ímpeto e determinação quando, decidida a ser engenheira, quis mudar de escola e estudar num técnico no qual havia mais matemática e a possibilidade de trabalhar na elaboração de projectos. Foi para a Escola Técnica Michelangelo Buonarroti, instituição de atendimento de rapazes na qual ficava em situação de marginalização, não tendo tido a oportunidade de compartilhar integralmente do convívio e das condições de igualdade com o género masculino nas actividades de formação em curso.
Dessa experiência pôde depreender alguns de seus desinteresses e algumas das suas certezas. Constatou que não queria mais enveredar pelos caminhos da Engenharia e teve a possibilidade de reconhecer a sua verdadeira identificação profissional, teve a certeza de querer trabalhar com e pelos seres humanos.
A formação pessoal e académica de Maria Montessori regista vários títulos. Em 1890 obteve o título de licenciada na cadeira de físico-matemática; já em 1892 diplomou-se em Ciências Naturais pela Faculdade de Ciências Físicas, Matemáticas e Naturais da Universidade de Roma.
Contrariando frontalmente e correndo o grave risco de discriminação pela sociedade e a cultura da sua época, enfrentando os limites de espaços e profissionalização demarcados pelo género masculino, a jovem obstinada inscreveu-se no curso de Medicina e Cirurgia da Universidade de Roma, onde se diplomou em 29 de Julho de 1896, tornando-se a Primeira mulher italiana a obter tal título, o de médica.
A conquista tornou-a popular na Itália e Montessori, um mês depois de formada, foi convidada a representar o seu país no Congresso Internacional dos Direitos da Mulher em Berlim, no qual defendeu a igualdade de condições entre os géneros em termos de formação, actuação e remuneração. Sob este aspecto participou pouco tempo depois noutro congresso, mas este em Londres.
No regresso a Roma, ainda em 1896, a jovem Drª foi convidada a trabalhar com crianças com anomalias, na Clínica psiquiátrica da Universidade de Roma. Deparou-se com uma turma de deficientes mentais que viviam em condições absolutamente desfavoráveis para o seu desenvolvimento.
A formação na área médica, o contacto com os estudos do médico francês Jean Marie Gaspard Ytard e também de Eduardo Séguin auxiliaram-na a estruturar o trabalho na Clínica Psiquiátrica. A sua actuação e contacto com as crianças deficientes permitiram a Montessori a elaboração de várias teses que serviram de base para a sua proposta pedagógica.
As elaborações desses autores permitiram o desenvolvimento de uma Pedagogia denominada como Pedagogia da Reparação, baseada, sobretudo, no desenvolvimento das capacidades sensoriais como condição de melhor prover o desenvolvimento cognitivo no seu todo.
Franco Cambi (1999), revela o processo de elaboração da Pedagogia da Recuperação, desenvolvida para integrar e desenvolver os deficientes, que fora iniciado por Ytard e que obtivera contribuições consideráveis de Séguin e Montessori.
O caso do rapaz selvagem de Aveyron, tratado por Itard no início do século XIX, continua exemplar, apesar da impossibilidade da completa recuperação de Víctor ( um rapaz de doze anos encontrado num bosque e criado por lobos) sobretudo em relação à linguagem. Depois, através de Séguin e de Maria Montessori, as técnicas de recuperação aperfeiçoam-se, partindo sempre de um pressuposto de tipo sensorial (formar a mente através dos sentidos), para complicar-se entre os séculos XIX e XX com as contribuições da psiquiatria infantil e da psicanálise, que activam procedimentos bastante diversos de recuperação, de tipo interactivo entre deficientes e terapeuta/professor, de tipo fortemente emotivo além de técnico-sensorial, ligado sobretudo ao jogo.(...) Nasceu, assim, uma pedagogia especial, ortoépica e da recuperação, altamente especializada, mas também vinculada às grandes temáticas da pedagogia, sobre as quais lança luzes (não só sobre a aprendizagem, mas também sobre a comunicação infantil, sobre o conhecimento das necessidades primárias da infância).(p.388)

Inspirada nos fundamentos científicos dos autores citados, além do contacto com os estudos do antropólogo Sergi, referentes aos processos de observação das realizações infantis e nos melhores momentos para propiciar aprendizagens, Montessori desenvolveu o método da educação moral para as crianças deficientes, apresentado com sucesso no Congresso Pedagógico de Turín, em 1898. Nessa época, foi convidada pelo Ministro da Instrução Pública para uma série de conferências às professoras de crianças com anomalias, que constituíram a semente do que posteriormente se transformou na Escola Normal, instituição dirigida por Montessori durante alguns anos.
Revela-se, assim, na história de vida de Maria Montessori o interesse, a preocupação e crédito de necessário investimento na formação de professores, a quem sempre dedicou atenção especial na definição do papel que deveriam assumir frente às crianças, fossem elas deficientes ou não.
Pressuposto básico da sua Pedagogia assenta na tese desenvolvida de que entre as crianças deficientes e as normais existiria uma correspondência de comportamentos, respostas que ocorreriam apenas em momentos e ritmos diferentes, ou seja, nos deficientes o ritmo e os tempos seriam mais lentos que nas crianças ditas normais, mas ambas teriam a chance de atingir vários níveis de aprendizagem e desenvolvimento. Tal afirmação pode ser identificada nas próprias colocações de Montessori expressas na obra intitulada: Pedagogia Científica(1965).
Quando, em 1898 e 1900, me consagrei à instrução das crianças excepcionais, tive logo a intuição de que esses métodos de ensino não tinham nada de específico para a instrução de crianças excepcionais, mas continham princípios de uma educação mais racional do que aqueles que até então vinham sendo usados, pois que uma mentalidade inferior era susceptível de desenvolvimento. Esta intuição tornou-se minha convicção depois que deixei a escola dos deficientes; pouco a pouco adquiri a certeza de que métodos semelhantes, aplicados às crianças normais, desenvolveriam as suas personalidades de maneira surpreendente.(p. 28)
O interesse pela Psicologia, Antropologia e Ciências da Educação rendeu a Maria o título de doutora em Ciências Médicas, prémio atribuído pela Real Universidade de Roma, recebido no dia 29 de Julho de 1898, exactos dois anos após a conquista da finalização do curso de Medicina.
A elaboração da Pedagogia Científica, elaborada, vivenciada e defendida por Maria Montessori, foi desenvolvida a partir de seu contacto directo e de observação com cerca de cinquenta crianças na faixa etária dos 3 aos 6 anos, pertencentes a um bairro pobre da cidade de Roma, intitulado San Lorenzo.
Em fragmentos das suas lembranças, Montessori, na obra “A criança”, assim descreve a origem das suas experiências com crianças normais, os princípios e primórdios de seu método, os seus sentimentos e compromissos com a criança, a partir da organização dos abrigos populares ocorridos em Roma no ano de 1906.

O projecto inicial era de reunir os filhos pequenos de operários que residiam num conjunto de habitações populares, a fim de que não ficassem abandonadas pelas escadas, não sujassem as paredes e não criassem desordem. Para isso, reservaram uma sala no próprio conjunto, para servir de refúgio, de creche. E fui chamada a encarregar-me daquela instituição que “poderia ter um bom futuro.” (p.134)
Foi assim que o acaso me fez encontrá-las. Eram crianças choronas, medrosas, tão tímidas que não se conseguia fazê-las falar, rostos inexpressivos, olhar espantado, como se nunca tivessem visto nada na vida. Eram, com efeito, pobres crianças abandonadas, crescidas em casas miseráveis e escuras, sem um estímulo psíquico, sem qualquer cuidado. Pareciam mal nutridas aos olhos de todos e não era preciso ser médico para perceber que tinham necessidade urgente de alimentação, de vida ao ar livre e de sol. Flores fechadas, mas sem a frescura dos botões – espíritos encerrados em invólucros fechados. (p.135-6)
Não obstante, empenhei-me em tentar uma educação científica dos sentidos, a fim de testar as eventuais diferenças de reacções entre as crianças ditas normais e as deficientes, e, sobretudo, para procurar uma correspondência, que se me afigurava interessante, entre as reacções de crianças sem anomalias mais jovens e de crianças deficientes de idade maior. (p.137)
Por causa da situação de vida bastante adversa vivida por essas crianças, das experiências vivenciadas e das conquistas alcançadas com o trabalho desenvolvido pela Drª Montessori foi aí que, a partir de Janeiro de 1907, numa iniciativa realizada pelo Instituto Romano de Beni Stabili, se criou a primeira “Casa dei Bambini”, Casa das Crianças. Tal experiência permitiu o aflorar embrionário de uma nova Pedagogia, a Pedagogia Científica, baseada no Método Experimental e sustentada por várias teorias que iriam arrastar muitos apoiantes e também numerosos opositores, entre formadores, pedagogos, psicólogos e estudiosos que criaram diversificadas teorias e contra-correntes sustentando o aperfeiçoamento ou a critica profunda a estes métodos todas elas baseadas em inúmeros trabalhos e observações.
A proliferação do trabalho de Montessori foi ganhando vulto e divulgação e outras “Casas” foram abertas no mesmo ano e nos anos seguintes. A proposta da Pedagogia Científica fincava-se na necessidade de ir além do diagnóstico dos problemas educacionais e prover uma nova escola.
Segundo Montessori (1965), essa nova escola deveria desenvolver um olhar e procedimentos diferentes frente à situação educacional.
...é a solução dos problemas que ela deve aportar, e não só a evidência das dificuldades e dos perigos, tanto tempo ignorados dos responsáveis pela educação das crianças. (p.40)
É necessário que a escola permita o livre desenvolvimento da actividade da criança para que a pedagogia científica nela possa surgir: essa é a reforma essencial. ( p.16)
O ano de 1898 foi ainda marcado por mais uma ousadia de Montessori, além da formatura no curso de Medicina. Nesse ano, ocorreu o nascimento de seu único filho, Mario Montessori, gerado de um relacionamento com o colega de trabalho na Escola Normal, o também médico Montesano fazendo entre eles um acordo que permitiu que continuassem solteiros, algo que era criticado e discriminado pela sua sociedade.
Anos mais tarde Montessori fugiu para uma fazenda nos arredores de Roma já que passou a ter que enfrentar a Itália Fascista que a desconsiderou e se opunha à sua revolução educacional. Mais tarde devido ao exílio forçado por Mussolini, Montessori e a sua família fazem a sua retirada para outro país europeu, ficando sediados em Barcelona onde as suas propostas eram já bem aceites e difundidas.
Mário Montessori tornou-se um admirador excepcional da sua mãe e esse amor foi reconhecido pelo seu longo ideário didáctico-pedagógico e politico que teve forte desenvolvimento ao longo dos anos.
Posteriormente, numa das suas viagens de divulgação dos seus métodos, Maria conheceu Gandhi em Londres que lhe sugeriu a necessidade de educar todo um povo, sobretudo a “casta dos intocáveis” que era a classe mais pobre do seu país, a Índia.
Motivada pelo desafio, Montessori segue com seu filho para a Índia em 1939, tendo lá crescido muito, porém tendo também vivido muitos problemas.
Apesar de reconhecida e com um trabalho bastante valorizado nesse país, em 1940 a Índia entrou na Segunda Grande Guerra Mundial contra Hitler, contra a influência Nazista e Fascista no mundo, deixando-a numa situação pouco confortável por estar num país em guerra com o seu país de origem e que fez questão de a tratar como uma italiana igual aos italianos que eles combatiam.
Maria e Mário são mantidos reclusos, sem direito à liberdade, liberdade essa que se havia tornado bandeira de vida para ambos. Os ingleses, porém, reconhecendo o valor de Montessori e a sua idade já avançada, permitiram que ela continuasse o seu trabalho mesmo fora do local de reclusão, mas não lhe permitiram a saída do país. No dia de seu aniversário, quando completou setenta anos, os ingleses presentearam-na com a libertação do seu filho. A libertação de Mário fez-se nos mesmos moldes da oferecida à sua mãe, ou seja, liberdade tutelada.
O contacto com os indianos, os princípios da sua filosofia em constante contacto com a metodologia foram incorporados à sua proposta: a introspecção, a importante educação cósmica, a educação para a paz, o silêncio, a normalização, a harmonização, o auto-controlo e a condição de educar-se. O reconhecimento de que cada ser humano tem um papel a desempenhar no cosmo e precisa buscar a sua harmonia para se realizar.
Pelo exemplo de vida, pela obra em favor da paz mundial a Drª Maria Montessori foi indicada duas vezes ao Prémio Nobel da Paz, em 1948 e 1949. Nesse período já fazia parte dos grupos de trabalho mantidos pela UNESCO.
Mesmo com idade já adiantada, aos oitenta anos, a grande educadora que tanta preocupação e interesse demonstrou e devotou à criança, ainda reservou forças para ministrar o seu último curso internacional que ocorreu em Londres, cujo tema foi: “Educação como um apoio ao desenvolvimento natural do psiquismo da criança do nascimento à universidade”.
Na Holanda, na cidade de Noordwyk, em 06 de maio de 1952, aos oitenta e dois anos de idade, faleceu Maria Montessori, porém continuam ainda hoje, por todo o mundo, os seus ideais e a sua proposta pedagógica. Esta era para ela a maior tarefa da Escola, a de constituir-se numa verdadeira ajuda à vida tendo como base de expansão da mesma, a liberdade, actividade e individualidade.
"Se a ciência começasse a estudar os homens, conseguiria não só fornecer novas técnicas para a educação das crianças e dos jovens, mas chegaria a uma compreensão profunda de muitos fenómenos humanos e sociais que estão ainda envolvidos em espantosa obscuridade. A base da reforma educativa e social, necessária aos nossos dias, deve ser construída sobre o estudo científico do homem desconhecido."
Os seus processos metodológicos e as suas filosofias podem ser encontradas em diversos e diversificados livros, sendo impossível fazer qualquer tipo de resumo a algum deles. Interessante é que na base da Escola Nova estão alguns princípios que já li em Quintiliano ou Parménides tantos séculos atrás e fico intrigado como as sociedades tiveram tamanho retrocesso ao ponto de não aceitarem os pressupostos antigos em prol de dogmas e estatutos oligárquicos que poderiam ser colocados em causa com essas reformas e pensamentos.
Maria Montessori construiu a sua história pessoal, intelectual e científica dedicando-se por mais de meio século ao estudo e à pesquisa do mais fundamental e difícil problema do homem, a sua formação; porque considerava que só através dela seria possível agir diante de questões decisivas da vida, sua conservação e o seu desenvolvimento.
Até à sua morte viveu de maneira concreta e apaixonada a história de seu próprio tempo, imersa na sua luta e na sua conquista, concebendo e experimentando novas alternativas, contestando as tradições e os dogmas, lançando-se com coragem às novas necessidades e às novas perspectivas da Educação, da Criança e da Humanidade.
Texto alterado por mim mas com transcrições de Maristela Angotti, Professora Doutora da Faculdade de Ciências de São Paulo. Inspirado por uma conferência de um professor brasileiro na minha faculdade, ainda no resultado da semana cultural, decidi basear-me no texto dessa doutora.
Posted by longtakk at março 12, 2006 04:28 PM
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